segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os Sapos

Enfunando os papo,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
_ “Meu pai foi à guerra!”
_ “Não foi!” _ “Foi!” _ “Não Foi!”

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: _ “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhe dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em criticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...”

Urra o sapo-boi
_ “Meu pai foi rei” _ “Foi”
_ “Não foi!” _ “Foi” _ “Não foi!”

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
_ “A grande arte é como
lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Carta no martelo.”

Outros, sapo-pipa
(um mal em si cabe),
falam pelas tripas:
_ “Sei!” _ “Não sabe!” _ “Sabe!”

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transito de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Manuel Bandeira

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